“O Nosso Cão Stromberg”
by César Augusto Medina Fortes
Eu desde sempre gostei de cães. Em 1983, meu tio João Miranda chegou em casa com um cão da raça “Dogue Alemão”. Um cão alto, forte, bonito mas muito desajeitado. Era preciso arranjá-lo um nome. Foi aí que o tio Miranda, um grande adepto do Benfica, se lembrou de colocá-lo o nome de “Stromberg” em homenagem ao grande jogador sueco, o Glenn Stromberg, que tinha acabado de chegar ao Benfica F.C. e que tinha dado muitas alegrias ao clube naquela época. Stromberg, o jogador, também era forte, loiro e alto, daí o nome cair como uma luva ao cão. O cão, Stromberg, também dava muita alegria para mim e para o meu primo Sílvio, filho de tio Miranda e da minha tia Rosa.
Lembro-me que o tio Miranda certo dia nos disse:
– “Stromberg só fica aqui em casa se vocês se comprometerem a cuidar dele, de dá-lo de comer, de beber e limpar o terraço, quando ele fizer as suas necessidades.”
É claro que ele ouviu um duplo “sim” da nossa parte. Até acrescentamos mais:
– “Comprometemos em dá-lo banho na praia da Laginha todos os domingos, não se preocupe”. E isso, já na nossa esperteza de irmos para o mar a cada domingo sem ser fiscalizados pelos adultos.
Íamos com o cão para todos os sítios. Stromberg era o nosso fiel companheiro e guarda. Ninguém ousava meter-se connosco porque estalávamos o cão para cima dele. Sentíamos seguros ao lado do Stromberg. Quem via o cão grande e forte a ladrar, fugia logo de medo. Só não sabiam, que por trás daquele cão enorme e forte, existia uma alma doce, gentil e brincalhão. Não me lembro se alguma vez, o Stromberg tenha mordido alguém. E assim Stromberg foi crescendo connosco.
Mas os anos foram passando e o Stromberg envelheceu. E num triste dia, o tio Miranda deu-nos uma notícia que não queríamos ouvir. Ele nos comunicou que iria mandar abater o Stromberg porque já não queria vê-lo a sofrer até a morte, e se ele tivesse que morrer que fosse longe de casa. Além do mais ele andava a comer algumas galinhas que ele criava no terraço. Nós imploramos, choramos muito para que ele não fizesse tamanha maldade ao Stromberg, mas ele foi irredutível. Numa sexta-feira de manhã, ele mandou chamar o Leandro, que era um senhor, que quando alguém tinha um serviço sujo para fazer, ele estava sempre disposto á fazê-lo em troca de 50$00 ou de um copo de “grogue”. Ele era conhecido como “Leandro matá-cahorro”.
O nome já dizia para o que ele vinha. E assim foi. Meu tio pagou-lhe antecipadamente e ele lá levou o Stromberg, com uma corda ao pescoço, arrastando o coitado do cão para o corredor da morte.
Ele saiu e nós as crianças chorando, fomos atrás dele, pedindo que por favor não matasse o cão, mas ele não nos deu ouvidos. Ficamos nos degraus junto ao portão, vendo o Stromberg sendo levado pelo Leandro que iria enforcá-lo, lá pelos lados da Ribeira de Julião, certamente numa acácia espinheira.
Quando dobraram a última esquina de Ilha de Madeira em direção á ribeira, desconsolados, entramos para casa. Nós, as crianças, ainda com um nó na garganta dissemos para o tio Miranda:
– “Bossê é mau!” E fugimos para o terraço para chorar o nosso cão.
Naquela tarde, eu e o Sílvio fomos para a escola tristes.
A noite, quando cheguei em casa, jantei e fui dormir cedo. Durante a noite eu tive um sonho. No meu sonho, vi Stromberg a caminhar sem energia, vindo na mesma rua que o vimos pela última vez, só que desta vez, ele estava voltando para casa. Parecia cansado, fraco, com fome e com sede e ainda com uma corda ao pescoço. Quando acordei de manhã, contei o sonho para o meu fiel amigo e primo, Sílvio.
No sábado de manhã, ficamos a ver para o fim da rua de “Nhá Tanha d’aga doce”(uma senhora que tinha uma fonte e vendia água), na esperança que o meu sonho se concretizasse mas, nada de Stromberg. No domingo, levantamos bem cedo e mais uma vez, antes de irmos á igreja, fomos para a porta, esperando ver o Stromberg. Nós tínhamos esta esperança porque sabíamos que o Stromberg era forte o suficiente para fazer aquilo. Estava um lindo dia e o sol começou a lançar os seus primeiros raios.
Um domingo ideal para ir à praia da Laginha mas, sem o nosso cão, já não seria a mesma coisa. Mas tal foi o nosso espanto, quando vimos o Stromberg aparecendo exatamente na esquina que o vi, no meu sonho. Vinha cansado, sujo, magro e com a corda com que o Leandro o tinha enforcado. Certamente, o Leandro o içou numa árvore, mas não o esperou morrer. Stromberg mordeu a corda e fugiu. Corremos ao encontro do nosso querido cão que tinha escapado da morte. Ele já sem forças, perto de nós, lambeu-nos a face e caiu de cansaço e de felicidade. Carreguei-o no colo até ao terraço da casa da minha tia Rosa. Demos-lhe comida e água e ele foi dormir como um guerreiro que depois de ter lutado pela vida, durante três dias de caminhada, desde da Ribeira de Julião, conseguiu chegar ao seu castelo, em Ribeira Bote, rua 10, onde nós, os seus queridos amigos, o recebemos com muita pompa, pois ele merecia.
A nossa alegria maior, foi quando o tio Miranda chegou em casa e viu o Stromberg e logo disse:
-“ Caramba pá, o Leandro não serve nem para matar um cão. Mas já que ele conseguiu escapar da morte e andar durante três dias até encontrar o caminho de casa, é um sinal de Deus, portanto, o stromberg fica aqui até o fim dos seus dias.” Nós explodimos de alegria, gritando: “Stromberg, Stromberg, Stromberg”. E assim, Stromberg continuou connosco por muitos e felizes anos de vida.
O cão sem dúvida, é um dos melhores amigos das crianças.
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