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“O Caixão de Nhô Jon Anton” de César Augusto Medina Fortes

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Nhô Jon Anton nasceu no Mocho da Garça na ilha de Santo Antão e cedo emigrou para a Argentina a procura de uma vida melhor. Todos os anos, voltava para a sua terra natal, para matar as saudades e deixava sempre mais um filho. E entre eles, a Basília, Dalena, Luís, Valentin, Ervelina e outros.

Em 1955, nhô Jon Anton tinha juntado algum dinheiro na Argentina e resolveu regressar à sua terra.  Foi na Cabeça de Mocho da Garça que ele comprou uma casa e uma terrinha. Ele era visto sempre, nas corridas, durante as festas de São Pedro, montado no seu lindo cavalo, com umas botas de couro e o chicote na mão para comandar o cavalo. Era também um grande jogador de oril.

O tempo passou e ele envelheceu. Nhô Jon Anton foi viver com a filha Ervelina em Chã de Igreja, para poder ficar mais perto de um enfermeiro.

E em 1984, já com 84 anos, ele faleceu.

Nhá Ervelina chamou quatro homens de sua confiança, a saber, o carpinteiro João de Hipólito, os primos Autelindo (Kokin) e Aldevino, o professor Chichal e o coveiro Albertino, para uma missão mórbida de irem buscar o caixão de nhô Jon Anton na localidade de Mocho da Garça, onde ele residia anteriormente.

Nhô Jon Anton tinha o seu caixão feito há vários anos e tinha-o guardado na sua casa para quando ele morresse, que não fosse enterrado em qualquer caixão, feito indigente.

Lá partiu os bravos homens para a ingrata missão. O caminho era montanhoso, escuro e longo. E para manterem-se motivados, levaram uma garrafinha de grogue e umas lanternas.

Chegaram na zona de Mocho, entraram na casa de nhá Djodja e contaram o sucedido. O filho, Anton Joaquim, da varanda da casa, bradou:

– Ó ti Jon Corr.  Nhô Jon Anton já merrê na Chã de igreja.

E de lombo em lombo, foram gritando e repassando a mensagem até todo o vale do Mocho ficar a saber da morte de nhô Jon Anton. E começaram a ouvir algumas mulheres a chorar o filho ilustre do vale.

Os quatro homens foram guiados pelo António Joaquim até a casa do falecido para procurarem o caixão. Revistaram toda a casa e não encontraram nada. Depois de estarem exaustos, pararam no centro da casa, pensando onde o falecido teria guardado o raio do caixão.

António Joaquim virou a cara para o teto e viu o caixão pendurado numa tarimba. Riram à vontade.

António Joaquim, alto e forte como era, com braços talhados pelo trabalho de agricultura, segurou sozinho o caixão nos ombros galgou a Selada e de cara para a Chã de Igreja começaram a jornada de volta. Os outros homens, caminhavam ao lado, segurando o caixão para que não caísse. João e Autelindo, como fiéis cristãos, batizados na igreja desde pequenos, tementes a Deus, mas mesmo assim tinham muito medo e começaram logo a orar ao Pai Celestial pedindo que os livrasse e os protegesse do espírito de Nhô Jon Manel, para que ele não entrasse no seu caixão antes de chegarem em Chã de Igreja.

Já era quase meia-noite quando chegaram em Chã de Igreja. Subiram no terraço da casa de nhá Ervelina e Jon de Hipólito munido de um martelo e uns pregos, foi reparar o caixão que, estava quase esforrado por causa da humidade de tantos anos.

Autelindo parecia um poste, com uma vela na mão, iluminando o terraço, para que João de Hipólito concertasse o caixão. Aldevino e Chichal seguravam o caixão enquanto o Jon pregava. Autelindo, que era muito abusado, de vez em quando, deixava cair uns pingos da vela derretida, de propósito, em cima da sandália de plástico do professor Chichal, e que lentamente, deslizavam no meio dos dedos e aí é que queimavam na alma.

E Chichal gritava:

– Ó Kokin, mosse!! Se bô n’era fí de cmade Maria de Vinha me tava dzebe um cosa. Mdjôre bô vitá!

E os outros riam à vontade.

Autelindo deixou cair os pingos da vela vezes sem conta, nos pés de Chichal, a madrugada toda. E Chichal cada vez que isso acontecia, gritava muitos palavrões.

De manhã cedo, o caixão já estava pronto para ser usado, pelo seu legítimo dono.

E foram enterrar nhô Jon Anton, o senhor que em tempos foi emigrante em Argentina e veio repousar na sua terra natal.

Depois do enterro, os bravos rapazes foram dar os pêsames na família. Sentados, cada um num canto da casa, olhavam um para o outro. Autelindo via para o Aldevino e para o Jon de Hipólito e apontava para a sandália de plástico do Chichal, coberto de vela seca e com a mão na boca, riam.

Depois quando sairam, foram para a pracinha e soltaram todos, o riso que estava oprimido. Riram à vontade.

E Chichal dizia meio a sorrir:

– “Hoje jame passá pior que rote num bli, na bsot mon, hein! Bsote é mufine.”

E abraçados, os quatro amigos, juntos, caminharam para a zona de Bordeira para terminar o grande dia, que cumpriram uma ingrata missão, mas com sucesso.

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